Eleito 3 vezes o melhor jogador das Américas, um dos craques da Copa do Mundo, que não foi mais longe porque sua seleção, apesar de lutar até o último momento, pegou os donos da casa e foi eliminada nos pênaltis. Luta como ninguém, honra a camisa do time como não se via há uns 20 anos. Dá o sangue, provoca os adversários, leva a filhinha recém-nascida como um talismã para o campo em dia de clássico.
Mas Coalhada não joga sozinho, e não é Deus(apesar de terem nascido no mesmo país). O time vai mal, mesmo com o elenco ser quase mesmo que venceu o campeonato passado. Macumba, alertam especialistas.
Coalhada depois da Copa volta para o clube, apesar de ter lhe sido prometido que seria negociado com o rico futebol europeu, e tenta ajudar o time a sair da situação ruim, zona de rebaixamento, última colocação. Corre como sempre, briga como sempre, faz um gol por jogo e mesmo assim o time não melhora. A torcida, com razão, chia, depois dos jogos, nos treinos. Durante os jogos gritam, apóiam, como sempre foi, até um sábado à noite, em um daqueles jogos como horários absurdos: 18h10.
O time perde do penúltimo colocado em casa e alguns dublês de torcedores começam a pegar no pé do time, que está correndo, lutando. Começam, também, a pegar no pé de Coalhada que corre e faz o time todo correr. E com o Coalhada as coisas são diferentes. Ele acha um gol, no peito e na raça e responde aos boçais que vaiavam o time. Com um gesto pede silêncio, com propriedade.
A partida termina empatada e boa parte do público grita seu nome na saída, mostrando que o time é um só, apesar da torcida não ser. Na alegria e na tristeza, diria o padre quando Coalhada vestiu a camisa. Bem ou mal, Coalhada nunca se esquivou dessa responsabilidade.
Na saída do estádio, em seu carro importado, vão, além do craque sua esposa e sua filha, o talismã. Alguns desses falsos torcedores, chamados no futebol de corneteiros, o esperam na saída do estacionamento. Xingam, atiram coisas e chutam o carro de Coalhada, que está lá, dirigindo e com sua filhinha no carro, com sua família.
Durante a semana ele manifesta entender o nervosismo do torcedor, mas exige respeito pelo o que tem feito pelo time, e, nas entre-linhas, pela camisa que veste e que vestem os torcedores. Do alto da humildade dos gênios, pede desculpa pelo gesto direcionado ao grupo corneteiro, embora esses nunca tenham pedido-lhe perdão, esquecendo a história de luta e dedicação que Coalhada construiu e construía no clube.
Coalhada segue marcando, lutando. O time esboça uma reação na tabela, começa a ganhar e sai da lanterna, mas volta a perder. O treinador diz que não sabe mais o que pode fazer e entrega o cargo. Macumba, dizem.
Chega um novo treinador, contratado sem a ciência do dono do time, que não o queria. Treinador este que nunca foi ídolo no time, apesar de uma passagem vitoriosa há mais de vinte anos. Treinador conhecido pela sua arrogância e intolerância e, dizem, por seu racismo. Sim, ele não gosta de negros nem nordestinos. Em um jogo há alguns anos brigou com a polícia pernambucana e bradou contra aquele povo.
Coalhada, ídolo mor do time, diz-se tranqüilo com a chegada do novo comandante, apesar de ser da periferia de Recife.
Faltando cinco minutos para a entrada em campo Coalhada é comunicado que não será mais o capitão do time. Após o jogo, vencido com um gol e um passe de Coalhada, o treinador declara que tirou a braçadeira de capitão do ídolo porque este não falava direito, ninguém entendia o que ele falava. Coalhada engole seco.
Durante a semana, perguntado sobre sua relação com os nordestinos, o novo treinador diz que freqüenta um restaurante há muitos anos cujo dono é um nordestino e que, sempre que vai até lá, ao final da refeição elogia o chef e dono do estabelecimento, dizendo: "Apesar de ser negro, você é maravilhoso". Isso foi dito há duas semanas antes de um amistoso entre nordeste e sul, para o qual o treinador não queria liberar Coalhada. A imprensa reage com risos, gozação.
Coalhada não. Após uma vitória com grande atuação, abraça os companheiros de time e vai para casa. Em Recife.
Domingo Coalhada estará em campo, em Londres, disputando o tal amistoso. Ouvirá, via satélite, a torcida que tanto o venerava xingando-o, gritando que não precisa dele - embora com o técnico novo e sem o craque já tenham sido jogados dois jogos, um empate e uma derrota.
A vida vai seguir, Coalhada deve ir para a Europa, apesar de ter sinalizado que pode voltar. O time deve continuar na primeira divisão, apesar do desespero. E eu precisarei ir até a Europa para ver, ao vivo, frente-a-frente, o maior jogador que vi vestir a camisa do meu time jogar.